quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

MEU SUMIÇO E MINHA DOR

Sumi daqui. Claro que não foi por preguiça.
Foi por conta de muitas coisas importantes na minha vida.
A primeira foi minha temporada com meu filho Leonardo e sua linda Priscila, nos USA.Foram 2 meses de tomar fôlego pois eu sabia que, ao voltar, minha vida mudaria de vez.
Alguém aí sabe o que é ver seu marido, seu companheiro, pai de seus filhos, ir perdendo sua alma, sua lucidez, sua independência aos poucos ?
Não queiram saber! É um mergulho no pesadelo que não tem fim. Só acaba com a morte: sua ou dele.
Há uns 5 a 6 anos que fui percebendo que as distrações do Raul estavam aumentando muito. Sem falar nos esquecimentos ! E a falta de habilidade motora? E as topadas e caneladas? Era a orientação espacial piorando.
Um dia acordei assustada com um pesadelo. Eu via Raul numa cadeira de rodas, e ele não sabia quem ele era ou quem eu era! Era a repetição do que eu vira com a mãe dele. ALZHEIMER!!!!!!!!!!!
Minha primeira reação foi a resistência. Não aceitei essa possibilidade! Tão mais fácil negar...
Fomos à médica geriatra que tinha começado a nos tratar. Fizemos montes de exames, verdadeiro checkup! Nada parecia muito sério . Tudo parecia ser normal para nossas idades.
Mas esse é um grande erro! Nos dias atuais não se deve achar natural esqucer muitas coisas, fazer confusões. Deve-se procurar de imediato os motivos para tais coisas acontecerem.
Fui varrendo para baixo do tapete até que , assustada com algumas coisas mais sérias,resolvi falar com a geriatra.
Ela chegou a fazer uma anamnese com ele. E fiquei muito assustada quando o vi desenhar um relógio e colocar os números do lado de fora! Voltei à ela e disse que estava preocupada. Ela disse que era preciso observar mais atentamente seu comportamento e se apareciam eventos novos.
Não deu nenhuma ênfase a procurarmos um neurologista. Por causa dessa displicência, tenho grande mágoa por ela. Jamais a perdoarei! Perdemos um tempo precioso no tratamento para Mal de Alzheimer!
Ao embarcar para ver Leonardo, que há 3 anos estava fora, eu tinha certeza de que, ao voltar, teria de buscar outros médicos e outros diagnósticos.
Durante os últimos anos, eu algumas vezes falei com meus filhos que se negaram a ver o que se passava! O que mora no Rio só vem aqui umas 3 vezes ao ano. O outro está nos USA pelo quarto ano seguido.
Fácil negar. Fácil achar que eu era a errada. Para que trazer mais problemas?
Nessa época eu me lembrei do dia em que minha mãe me disse que tinha muita pena de mim porque eu não tinha uma filha mulher. Ainda argumentei com ela que isso não quer dizer nada! Mas ela tinha razão.
Homens não querem problemas, acabam se envolvendo mais com a família de suas mulheres, acham que seus pais se viram sozinhos muito bem. É como se assim, eles negando a nossa velhice e os nossos problemas, eles não existissem. É como se assim não envelhecêssemos, não adoecêssemos, não precisássemos deles.
As filhas se envolvem mais emocionalmente com os pais idosos, com mais preocupação e cuidados. Sempre lembro que ia diariamente ver meus pais nos últimos anos de suas vidas. Foi um alento depois que eles morreram. Sabia que havia feito tudo que eu podia por eles. E cansei de chamar a atenção de meu marido para sua ausência junto à mãe dele.
Ele não suportava vê-la numa cadeira de rodas, sem falar, sem reconhecer ninguém, com a maldita doença de ALZHEIMER!É nessa hora que percebemos como os homens são frágeis emocionalmente. Muito mais do que nós mulheres. E o destino foi cruel !
Fui para USA antes de Raul. Ele só foi quando faltava uma semana para eu voltar.
O dia de sua chegada foi decisivo para tudo que se seguiu.
Após passearmos com ele durante o dia todo, quando seguíamos para a casa de Leo e Pri, de repente Raul virou-se para nós, sentado na cadeira do carona ao lado do filho e perguntou:
_Nós não passamos aqui nessa rua ante ontem? _e repetiu a pergunta.
Ficamos mudos e surpresos. Como assim? Ele havia acabado de chegar naquela manhã!
Depois de um tempinho pensando, após Leo lhe perguntar quando ele havia chegado lá , ele respondeu:
_Nossa! Tou biruta! Eu cheguei hoje, não foi?
Naquele momento eu senti uma dor aguda no peito. Era a certeza de um diagnósitco que ninguém deseja.
Várias coisinhas foram acontecendo e meu filho brigava comigo! Ele não tinha noção do que eu já vinha passando há bastante tempo. Aliás, diga-se de passagem, eles continuam não avaliando corretamente o que é viver com um portador de ALZHEIMER! Ou não querem enxergar. É a reação masculina da negação.
Diante dos fatos que se sucediam, Leo percebeu a necessidade de segurar uns dias mais o pai lá com ele. Ainda bem que o fêz! Não sei se haverá outra oportunidade.E ele pôde entender um pouco o que eu havia dito a ele. Foi ótimo!
Ele telefonou ao irmão e contou como as coisas andavam. Contou o que havia acontecido. E, embora eu lhe implorasse que não desse bebidas ao pai, ele teimou e deu.
Talvez um dos gatilhos da doença de Raul tenha sido o alcoolismo. Ele não bebia de cair e dar vexame! Mas bebia diariamente. E quando saí daqui para os USA, a minha diarista Adriana disse que o viu chegar a beber 10 latinhas de cerveja num dia!
E as vezes em que dormiu com a porta aberta? Ela e a outra diarista encontraram a porta aberta, luzes acesas, tv ligada várias vezes!
Janaína contou de quantas e quantas vezes ele chegava e dava outra vez bom dia à ela apesar de já tê-la visto antes. E das inúmeras vezes em que ele saía para comprar algo que elas pediam e voltava sem trazer a encomenda.
Isso vinha acontecendo diariamente comigo. Nem adiantava escrever. Ele perdia o papel ou jogava fora para eu não conferir. Seria cômico se não fôsse trágico! E se não fôsse tão doloroso!

2 comentários:

  1. Oi amiga, fiquei emocionada ao ler seu depoimento, essa doença é assim mesmo, meu saudoso pai tb. teve, a única coisa que se tem a fazer é dar muita atenção, carinho e
    ter muita paciencia....
    Beijos
    Glorinha

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    1. É bem difícil, Glorinha!
      Aqui eu desabafo e espero ajudar outras pessoas mesma situação pois a gente se sente só. E está só, sim! Não tem jeito! Bjs.

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